Compartilhamos o primeiro capítulo da obra “Ordem Iniciática do Cruzeiro Divino: Escola de Iniciação desde 1970 – Vigência 2019”, páginas 11 a 14. Nele discorremos sobre Tradição.
Vou voltar no tempo e falar como fui apresentada à palavra tradição, pois, naquele momento, não entendia o que significava em sua profundidade e, a princípio, ela realmente era mais uma palavra em meu parco vocabulário.
Quem me apresentou a esta palavra? Um homem singelo, elegante, sério e sábio, que a falava com amabilidade e respeito, o sacerdote Babá Rivas Ty Ògìyàn, Mestre Arapiaga.
Ele me fez pensar o que era esta famigerada tradição. Falava que ela era antiga, que, de tão antiga, chegava aos primórdios da humanidade. Uma tradição que tinha em si um conhecimento, um método e uma ética. Uma tradição que só era possível alcançar voando para meu próprio início, para além das aparências, para além do que conseguia ver, ouvir, sentir ou tocar... Imaginava não estar ao meu alcance. Tradição era a grande guardiã de valores atemporais e quem velava por esta realidade. Não omitia que existiam tradições e não apenas tradição em seu sentido singular e esta era a grande capacidade das religiões de entendê-la cada qual segundo seu tempo e “verdade”, logo a tradição era relativa para as diferentes religiões e todas tinham seu valor e relevância para diferentes pessoas. Foi um ensaio para que eu viesse
entender a diversidade e a necessidade de respeito a ela.
Aí ele surgiu com um caminho para poder encontrar a tradição: a iniciação. Dizia-me, assim como dizia a seus filhos e suas filhas, que a iniciação era um caminho sem fim, cheio de turbulências e dificuldades, pois lutaria com o pior dos monstros: o EGO. O monstro que nos faz sentirmos melhores, mais sábios, especiais, exacerbando o individualismo e assim por diante. Nunca havia pensado em meu ego antes, aliás, nem sabia que ele existia – tinha 13 anos à época –, mas ele reafirmava ser este o grande entrave para caminharmos na iniciação e chegarmos a ver a tradição. Também nos dizia que a “A constante da Tradição é a contínua mudança.” (Rivas Neto, 2012, p. 160) algo que com o passar dos anos entendia: que a tradição precisava se adaptar aos diferentes momentos históricos para sobreviver, mas também significava a nossa contínua mudança interna por meio da iniciação.
Retomando o ego. Quando comecei a pensar no ego, ele logo me lançava que tínhamos uma mente, um lado invisível, que o usava para enganar, pois ela valorizava mais o mundo material que imaterial e isto me desviava do caminho
reto para as etapas de aprofundamento na tradição, sendo elas: falar, fazer, viver e ser a tradição.
Aí pensava: e a tradição? Não basta decorar nomes? Saber incorporar o(a) ancestral ou manifestar Orixá? Saber fazer algumas magias? Ebós? Saber quais são os Orixás? Ter meus pertences religiosos?
Ele, sempre com uma resposta pronta, dizia que isto era o começo da iniciação que me levaria à tradição, mas não era isto a tradição. Isto era como o caminho para encontrá-la.
De tanto ouvir suas colocações fui percebendo que a tradição era ampla, imensa, complexa e eu deveria ir em busca dela sem pressa, sem atalhos e sob orientação de um pai de santo ou mãe de santo, pois era um caminho que não conhecia.
Em meu caso sob as “mãos” dele. A tradição era mais que um toque, mais que uma gira, mais do que um arsenal de roupas, palavras, orações. A tradição era o resgate de uma ética para comigo com a humanidade, com a natureza e com o ancestral, com o Orixá, com a Divindade, enfim a compreensão do sagrado em mim e em tudo que tem existência visível ou invisível. Logo, um despertar de uma realidade que não vivia e que naquele momento não entendia.
Passaram-se 40 anos desse momento e eu continuo minha trajetória na iniciação
desvendando a tradição, mas hoje com mais clareza de que ela não pode ser comprada, não pode ser dada, não pode ser encontrada de modo aleatório e sem responsabilidade.
Ela tem de ser despertada em nosso modo de ser e estar no mundo. As nossas casas de santo são os diferentes métodos para despertar quem deseja para a tradição, mas a parte visível, os toques e ritos – tenham certeza –, são uma pequena parcela deste método e não ele integralmente. Foi na relação próxima
e vivida com meu Babá/Mestre, por meio de seu hálito, que descobri o que era a tradição em meu ser.
A tradição não é uma palavra: é um estilo de vida, um conjunto de valores e saberes que vamos incorporando ao longo do tempo por meio da iniciação.
Mãe Maria Elise Rivas
Íyá Bê Ty Ogodô
Mestra Yamaracyê
(14 de janeiro de 2019)
Comments